12/02/2023

Giulia Granchi, da BBC News Brasil em São Paulo

Uma recente mudança na recomendação de consumo de álcool no Canadá chamou atenção pelo rigor — de acordo com o documento, a única quantidade segura de álcool é zero, nenhuma gota.

Diferentemente do Canadá, o Brasil não tem um consenso determinado por uma entidade médica nacional, mas segue a recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde), que também afirma não existir um padrão de consumo de álcool que seja absolutamente seguro.

Atualmente, não existem definições oficiais para dose padrão e consumo moderado no Brasil.

O CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool) considera que uma dose padrão corresponde a 14g de etanol puro no contexto brasileiro. Isso corresponde a 350 ml de cerveja (5% de álcool), 150ml de vinho (12% de álcool) ou 45ml de destilado (como vodca, cachaça e tequila, com aproximadamente 40% de álcool).

Já a OMS define como dose padrão 10g de etanol puro, e recomenda que homens e mulheres não excedam duas doses por dia e que se abstenham de beber pelo menos dois dias por semana.

Pela diretriz canadense, a quantidade de uma dose para mulher e duas doses para homem como limite também é considerada uma quantidade baixa, mas por semana, e não por dia, como indica a OMS.

“É necessário considerar que o Canadá é uma potência em termos de guidelines [diretrizes] de saúde. No campo da comercialização da maconha, foi o primeiro país com grande economia a legalizar, e fazem estudos muito sérios”, avalia Arthur Guerra, psiquiatra e presidente do CISA.

“Esta sobre o álcool é uma recomendação dura e forte — e é claro que não sou contra, são considerações feitas com base em estudos médicos. Mas deve-se também considerar o ponto de vista sociocultural — dependendo do país, é algo muito fácil de ser quebrado. Se um casal divide uma garrafa de vinho em um jantar comemorativo, já está fora do limite”, afirma Guerra.

“Esse consumo moderado, no entanto, leva em conta o organismo de uma pessoa completamente saudável — sem qualquer doença crônica, como diabetes e hipertensão, que atingem cerca de 9% e 26% dos brasileiros, respectivamente, ou mesmo indivíduos que têm histórico familiar de alcoolismo”, aponta Álvaro Pulchinelli, toxicologista do Fleury Medicina e Saúde.

“Então, as recomendações como as da OMS e as canadenses, que são bastante rígidas, refletem uma verdade para maioria da população, já que não há valores bem definidos de qual seria o consumo seguro de álcool em todas as situações”, complementa o médico.

De acordo com o presidente do CISA, o mesmo vale para quem tem doenças psiquiátricas.

“Pacientes com doenças como depressão, ansiedade, esquizofrenia, não deveriam consumir álcool. E se eventualmente, em uma celebração, a pessoa beber uma taça, isso significa que vai afetar o quadro psiquiátrico base? Não necessariamente. Mas o uso binge [bebedeira] e regular é totalmente contraindicado”, afirma Guerra.

“Então, as recomendações como as da OMS e as canadenses, que são bastante rígidas, refletem uma verdade para maioria da população, já que não há valores bem definidos de qual seria o consumo seguro de álcool em todas as situações”, complementa o médico.

Não adianta fazer “poupança” de limite de bebida

A forma como cada um consome seus drinques também deve ser levada em consideração.

“Claro que as pessoas teriam prejuízo com grandes quantidades de ingestão semanal, ou com essa quantidade quando o indivíduo fala que não vai beber a semana inteira. Ah, então eu posso descontar tudo no sábado? Não, não é assim que funciona. Não é poupança de banco, que você fala, ah, eu economizei e agora eu posso gastar”, diz o toxicologista.

Pulchinelli aponta que quem bebe "pesado" de fim de semana e que ele tem tanto risco quanto o "bebedouro" crônico.

“Quem exagera em um único dia estressa o organismo duas vezes: pelo álcool em si e pela sobrecarga. É por isso que as diretrizes passaram a falar em limite diário em vez de limite semanal.”

Riscos do consumo exagerado ou prolongado do álcool

O consumo de álcool é um fator causal em mais de 200 doenças e lesões, de acordo com a OMS.

Entre as comorbidades, o hábito está ligado ao maior risco de doenças não transmissíveis graves, como cirrose hepática, alguns tipos de câncer e doenças cardiovasculares, além de lesões resultantes de violência e acidentes de trânsito e também da dependência ao álcool.

Outro dado da Organização Mundial da Saúde aponta que cerca de 80% das mortes em que o álcool foi um “fator importante” ocorreram em três dos países mais populosos: Estados Unidos (36,9%), Brasil (24,8%) e México (18,4%).

Para pessoas com a doença, além dos riscos à saúde, vício em álcool pode resultar em danos a outras pessoas, como familiares e amigos, dificuldade em manter relacionamentos, sejam profissionais ou pessoais, e prejuízos financeiros.

Fonte:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4nzekg26ddo