03/02/2023
Elba Kriss
“O álcool não é isso tudo”, afirma a publicitária Gabriela Cardoso, de 22 anos. A jovem não tem o hábito de consumir bebidas alcoólicas e acha que esse costume é superestimado pelas gerações mais velhas. Já provou alguns drinques por curiosidade, mas não gostou do sabor e nem teve prazer com a experiência. “Simplesmente não é uma coisa que me agrada. No Ensino Médio, quando a galera começou a beber, eu já não achava legal. Não entendia por que eles estavam bebendo e fumando”, recorda. A consciência para manter a saúde física e mental começava ali. Essa é uma característica marcante da chamada geração Z, que segundo estudo internacional da Organização Mundial de Saúde (OMS), é a que menos consome álcool em todos os tempos. Jovens como Gabriela, nascidos entre a segunda metade dos anos 1995 e o início dos anos 2010, são os mais sóbrios da história. Conforme a pesquisa, apenas 8% ingerem bebidas alcoólicas semanalmente e 76% entendem que até seis drinques em um fim de semana é sinônimo de “problema”.
No Reino Unido, 26% dos que possuem entre 16 a 25 anos se classificam como abstêmios. Em comparação, na geração anterior, que tem hoje entre 55 e 77, apenas 15% poderiam ser classificados nesse perfil. Nos EUA, 27% dos universitários consomem álcool uma vez por mês; 25%, uma vez por semana; 28% declararam que não bebem. Em 2020, esse último número era de 20%. No Brasil, uma análise feita pelo Ministério da Saúde no ano passado mostrou que o consumo abusivo caiu de 25% para 19,3% entre os adultos com idades entre 18 e 24 anos.
“Vejo pais mais atentos, que não ficam embriagados na frente dos filhos. O exemplo não é a melhor forma de ensinar alguma coisa. É a única” Arthur Guerra, presidente executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool
Essa realidade pode ser constatada na noite de São Paulo. “Cada vez mais as pessoas se engajam num estilo de vida saudável”, observa a estudante Letícia Almeida, de 25 anos. “Prefiro uma bebida gaseificada de mate com cafeína”, afirma o DJ Patrício Ghidalevich, 35 anos. Já a empresária Farah Hoffmann, de 27, criou há alguns anos o costume de ficar sem beber álcool durante alguns meses. “Muda meu sono, diminui minha ansiedade e eu me alimento melhor”, afirma. Cortar excessos em benefício da disciplina é uma característica da geração Z. A publicitária Cássia Mamani, de 25 anos, elogia o estilo de vida da colega Gabriela, que é abstêmia: “Ela não tem ressaca no dia seguinte e não gasta com drinques superfaturados”. O mercado também mudou para atender esse novo perfil. “O drinque sem álcool é o novo veganismo. Antes não encontrávamos itens veganos no cardápio agora sempre tem pelo menos um”, afirma o publicitário Vinícius Favorito, de 23 anos. Na capital paulista, o Drosophyla Bar busca atrair esse segmento com opções não alcoólicas. São os drinques mocktail – junção das palavras mock (imitação) e cocktail (coquetel). Há sugestões refrescantes com chá de hibisco e bebida à base de gengibre, que fazem sucesso entre os clientes. “São bebidas deliciosas que dão vontade de repetir”, afirma a proprietária do bar Lilian Varella. As receitas ficam por conta do mixologista Kleiton Martins. “Estudamos os ingredientes para trazer aspectos diferentes para o cérebro e paladar”, diz o bartender.
Qualidade de vida
A tendência do “zero álcool” anima a ala médica. Thiago Guimarães, psiquiatra da Rede Mater Dei de Saúde, em Belo Horizonte, diz que as próximas gerações devem ser beneficiadas. “Terão uma vida longeva e com mais saúde, uma vez que o consumo de álcool contribui para o desenvolvimento de mais de 200 doenças e condições médicas. São questões hepáticas, lesões por acidentes e violência, cânceres, problemas cardiovasculares e infecciosos”, afirma. “O álcool é responsável direto por mais de 5% de todas as mortes no mundo, segundo dados da OMS”. Um levantamento de 2017 feito pelo European Journal of Public Health atribuiu 23 mil casos de câncer ao consumo leve ou moderado da bebida. Em 2021, o The Lancet Oncology associou a ingestão de “menos de duas cervejas por dia” a 100 mil cânceres por ano.
Para Arthur Guerra, presidente executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, a OMS acredita em um cenário promissor. “Essa turma é preocupada com a qualidade de vida”, observa. Ele ressalta a importância da família: “Vejo pais mais atentos, que não ficam embriagados na frente dos filhos. O exemplo não é a melhor forma de você ensinar alguma coisa. É a única”.