27/04/2021
Dr. Arthur Guerra
Outro dia, li algo interessante na imprensa internacional. O governo japonês nomeou um Ministro da Solidão como uma iniciativa para dar conta da solidão social que já era uma realidade naquele país, mas que cresceu tremendamente com as medidas de isolamento por causa do coronavírus.
Em 2018, o Reino Unido já havia lançado uma estratégia semelhante para reduzir os problemas de saúde decorrentes da solidão. Naquela época, a então primeira-ministra Theresa May declarou que a solidão é um dos maiores desafios de saúde pública dos tempos modernos. Não só há evidências de que possa levar ao aumento de doenças cardíacas e de demência, como estima-se que possa estar ligada ao aumento dos casos de suicídio, como visto no Japão após o início da pandemia.
O sentimento de solidão tem afetado a todos. Uma pesquisa recente realizada pelo Instituto Ipsos em 28 países mostrou que o Brasil é o país em que as pessoas mais se sentem solitárias. Enquanto a média mundial é de 41%, no Brasil metade dos que responderam à pesquisa disseram ter essa sensação.
Qual a diferença entre estar sozinho e sentir-se solitário? Estar sozinho é saber aproveitar da própria companhia. Antigamente, não se aceitava o fato de que mulheres, por exemplo, pudessem querer viver sós. O objetivo era que, enquanto sociedade, viéssemos a formar pares. Tanto era assim, que se considerava que uma pessoa que conseguisse manter um relacionamento, dentro de certos parâmetros, é claro, seria mais saudável do ponto de vista mental.
Felizmente, evoluímos como sociedade. Hoje, é plenamente aceitável que pessoas queiram viver sozinhas. Por aceitável, eu me refiro ao fato de que essas pessoas não são mais estigmatizadas. Ainda que sozinhas, a pandemia também nos trouxe como lição a importância de sermos solidários uns com os outros. A ajuda pode vir de diferentes formas e lugares.
Solidão é outra coisa. Solidão é você desejar se conectar a alguém e não haver ninguém à disposição para isso. Pode ser, inclusive, o desejo de se conectar à sua parceira ou parceiro e ela ou ele nunca terem a disponibilidade para isso. Há sentimento de solidão entre muitos casais e ele gera melancolia, tristeza profunda.
A solidão é uma sensação difícil de sentir. Tão difícil que muitos usam álcool, drogas ou até comida como um substituto para a falta de conexão pessoal, quase como se fosse um amigo. De fato, sob o efeito de álcool e drogas, o mundo parece temporariamente mais leve e mais fácil. Mas o efeito é rápido e não resolve esse sentimento.
A chave para dar conta da solidão é encontrar uma maneira confortável para lidar com ela. Com as tecnologias digitais de comunicação, ficou muito mais fácil encontrar pessoas na mesma situação que também desejam uma conexão. Há grupos de leituras, de culinária, de pets, de encontros amorosos, e eles podem permitir o surgimento de encontros bastante fortes. Basta estar aberto para isso.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
Fonte: forbes.com.br/colunas/2021/04/arthur-guerra-solidao-pode-trazer-problemas-de-saude-mental