21/03/2023

Arthur Guerra

A resposta é sim. Para a maioria das pessoas, que bebe moderadamente, o álcool causa uma pequena alteração comportamento. Não tem nada a ver com embriaguez. O que acontece é que elas ficam um pouco mais soltas, a autocensura e a inibição caem e talvez elas falem coisas que não falariam em uma situação sem a presença de bebida alcoólica. Ou seja, ficam mais relaxadas.

A complicação vem quando se começa a beber recorrentemente além da conta, ao ponto de ficar alcoolizado. O que era uma postura mais relaxada vira grande euforia. O que era a redução da autocensura vira, muitas vezes, falas inconvenientes e inapropriadas. A fala fica pastosa, os movimentos e reações, mais lentos e por vezes descoordenados, cresce a autoconfiança, porém a atenção fica mais curta.

Esses sinais de embriaguez aparecem quando o álcool entra na corrente sanguínea, afetando as funções do cérebro e do corpo. Você conhece a frase “não existe almoço grátis”? A ressaca do dia seguinte é exatamente isso. A conta que o organismo cobra por ter tido de dar conta daquele excesso de bebida alcoólica.

O corpo, entretanto, é capaz de se adaptar àquelas quantidades de álcool que lhe são ofertadas. Beber dois copos a mais em uma festa certamente farão um estrago no dia seguinte (aquela sensação de padecimento que a ressaca dá), mas, se esses dois copos extras virarem rotina, em pouco tempo já não haverá mais ressaca.

É o que se convencionou chamar de tolerância ao álcool. A tolerância funciona mais ou menos como o freio do seu carro. Pise no freio de um carro novo, pise só um pouquinho e ele responde imediatamente. À medida que se usa o freio e as pastilhas ficam mais desgastadas (o álcool que você ingere), vai ficando mais difícil de o carro responder.

Até que um dia, você pisará no freio e simplesmente o seu carro continuará em desabalada carreira. Chegará um dia em que um gole, um gole mesmo (não uma dose) será capaz de deixá-lo completamente bêbado; ou seja, uma quantidade de álcool absurdamente pequena fará um estrondo.

Portanto, beber além da conta sem sinal de ressaca é, sim, um alerta de que se pode estar caminhando para entrar em um quadro de dependência.

Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.

Fonte: https://forbes.com.br/forbessaude/2023/03/arthur-guerra-devo-me-preocupar-se-eu-beber-alem-da-conta-e-nao-tiver-ressaca/