08/12/2020
Dr. Arthur Guerra
Eu tenho certeza – e as pesquisas médicas confirmam isso – que a pandemia mexeu com a saúde mental dos brasileiros. Inúmeros levantamentos feitos durante o período de confinamento mostram que os casos de ansiedade e depressão tiveram um significativo aumento e uma de suas consequências indiretas também: o consumo de álcool.
Nós, médicos, também sabemos que o período pelo qual passamos faz exacerbar casos preexistentes. Ou seja, é quase certo que quem já tinha ansiedade ou depressão só viu a sua condição piorar.
Aos poucos, empresas vêm retornando ao trabalho presencial. Outras, deverão permanecer em trabalho home office até o ano que vem. Não importa. É certo que uma boa parcela dos colaboradores não está em sua plena saúde mental.
Como, então, abordar esse tema com a liderança mais próxima? Não há uma única resposta a essa pergunta, assim como não há resposta certa nem errada. O modo como você vai abordar essa questão com o seu gerente, chefe ou liderança se baseia muito no nível de confiança que se estabeleceu entre vocês e também na cultura do local onde você trabalha.
Aproveito para abrir um parêntese sobre o papel da liderança. Uma boa liderança é aquela que, de uma forma ou de outra, cuida do seu time. E, por cuidar, eu me refiro a ter um olhar atento a cada membro da equipe.
O líder que olha e que escuta o seu liderado sabe identificar se ele está enfrentando algum problema, seja ele de ordem financeira, profissional, espiritual ou de saúde.
O chefe que construiu uma boa relação com seus liderados sabe identificar problemas de saúde mental, até porque quadros de transtorno mental são muito transparentes. Por temor de ser estigmatizado na empresa na qual trabalha, você pode até se propor a esconder que enfrenta um problema, mas esse esconderijo que você constrói a si mesmo é muito esburacado. É fácil as pessoas perceberem que você não está bem.
Cabe ao líder, então, sugerir uma saída para seu liderado, como buscar um médico, um psicoterapeuta ou mesmo a equipe de RH da empresa.
Se você se sente psicologicamente seguro no seu ambiente de trabalho, poderá buscar diretamente o seu líder e explicar a ele como você se sente. Uma sugestão: aborde a sua condição de forma propositiva. Por exemplo: diga que sente que a sua questão mental está interferindo na sua produtividade, mas que vai buscar ajuda. Ou que pretende fazer terapia. Não espere que o seu chefe tenha respostas para todas as situações que se apresentam. Assim como você, ele é imperfeito e certamente não tem uma saída milagrosa para tudo o que surge no local de trabalho.
Você não precisa se sentir embaraçado porque sua saúde mental não está das melhores. Você não é o único a se sentir assim, tenha certeza disso. Se teve algo que a pandemia mostrou foi que todos nós – alguns mais, outros menos – não estamos completamente saudáveis do ponto de vista mental. E as organizações começam a se dar conta disso.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.